terça-feira, 3 de agosto de 2010

Beautiful Day

[ou: O moço sem documento]

Pois é. Nem te conheço e você já ganhou um texto. Mas é só porque, apesar de os sentidos não estarem tão aguçados naquela noite, não consigo me desvencilhar da sua lembrança. E quando fico com algo na cabeça ou na garganta, não tem outro jeito: preciso escrever.

Ainda lembro bem: você ali na porta, dizendo que não podia sair por falta de documento que comprovasse sua identidade. Eu não havia dado a mínima pra sua presença, até que você sentou ao lado com o papo típico de quem freqüenta esse lugar. O som da noite era em homenagem ao U2, e eu só queria registrar uns últimos momentos de diversão, tão valiosos nos últimos tempos. A verdade, eu lembro, era que minha vontade era estar em casa dormindo.

"It's a beautiful day /Don't let it get away / It's a beautiful day", cantava o vocalista da banda cover, embora mal pudéssemos ouvir sua voz abafada pelo coral enebriado que o acompanhava.

Agora, mesmo sem saber se seu nome é o que conheci, posso dizer que gostei de você. Por vários motivos, mas principalmente por me livrar um pouco daquele covarde que se acha o dono do mundo. Coitado, não consegue ser dono nem do próprio nariz. Mas este texto é pra você, deixo ele pra lá.

É pra você, que pode não ser quem disse que é. É pra você, que eu sei que não vai me ligar – aliás, pra quê, né? É pra você, tão igual e tão diferente. É pra você que não tinha documento, mas deixou a lembrança do seu rosto guardada comigo.

What you don't have you don't need it now
What you don't know you can feel it somehow
What you don't have you don't need it now
Don't need it now
Was a beautiful day