sábado, 29 de maio de 2010

Um flit paralisante

Ou: conversando com a música “Eu queria ter uma bomba”, do Cazuza.

Solidão a dois de dia
- Não, Cazuza. É solidão sozinha mesmo, de noite, de tarde, a qualquer hora, mesmo ao lado.
Faz calor, depois faz frio
- Choques térmicos alternados e constantes. Um saco.
Você diz "já foi" e eu concordo contigo, você sai de perto e eu penso em suicídio/homicídio
- Concordo, mas penso mais em homicídio. Nada pessoal.
Mas no fundo eu nem ligo, você sempre volta com as mesmas notícias
- Nem ligo, it always comes around.
Eu queria ter uma bomba, um flit paralisante qualquer, pra poder me livrar do prático efeito das tuas frases feitas, das tuas noites perfeitas
- Frases feitas, sim; noites perfeitas, nem tanto.
Eu queria ter uma bomba, um flit paralisante qualquer, pra poder te negar bem no último instante
- No primeiro, no do meio e no último instante.
Meu mundo que você não vê, meu sonho que você não crê
- Pode até crer. E se vê, faz de conta que não. Besta.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Na farmácia

- Seu moço, o quê o senhor tem aí pra esquecimento?
- Especifique o tipo de esquecimento, minha filha.
- Ah... sabe como é. Quero algo pra esquecer uma pessoa, parar de lembrar, escafeder da mente.
- Bom, já tentou parar de falar, não ver mais, não entrar em contato?
- Já, mas isso só funcionou por um tempo. Depois criei anticorpos e esse remédio agora não me vale nem como paliativo. Ao contrário: depois disso, só aumentou minha ansiedade e a dor no estômago. Aí volto e fico relembrando cada palavra dita, escrita, cada sorriso bobo...
- Nossa, a situação tá se agravando. Bom, vejamos... Tenho aqui um xarope de desapego, vai querer?
- Isso funciona?
- Olha, o efeito depende de quanto você vai tomar. É o que dizem: a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem.
- Mas faz efeito rápido? Não aguento mais. Tem noites que isso me tira o sono e vou dormir quando o sol está levantando. Essa vida não dá certo comigo.
- Ah, minha filha. Paixonite é assim mesmo. Mas a sua parece ser de um tipo diferente: crônica e aguda ao mesmo tempo. Eu só havia ouvido falar, nunca conheci ninguém que apresentasse os sintomas dos dois tipos.
- Ai, Deus! É grave assim, moço?
- Pelo que sei, quem desenvolve os dois tipos de paixonite de uma vez só se resolve completamente com um remédio.
- Qual? Por favor, me diz! QUAL?
- Esse remédio não tem pra vender. Ele deve ser dado pelo agente causador da paixonite. Chama retribuição.
- Ih... mas aí complicou. Como faço pra ter isso?
- Esquece, menina. Se não teve até agora, vai ser difícil encontrar. Tenho aqui uma injeção de recomeço, quer?
- Depende. Vai doer? Detesto injeção.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Depois daquela esquina

Para ela, foi um dia quase igual àquele. Cinzento, chuvoso, preguiçoso. Ao sair do pseudo-trabalho, tudo estava quase do mesmo jeito. Só faltava ela olhar para trás ao atravessar a rua, com sua sombrinha preta, e ver o moço debaixo de chuva, sem proteção – por teimosia ou para manter a fama de mau, sabe-se lá.

Faltava o moço para segurar a sombrinha enquanto ela procurava dentro da bolsa [não era uma tarefa das mais fáceis] aquele chiclete de morango que havia comprado pra ele. Faltava o vento para desequilibrar a sombrinha e a moça – e para desconsertar o moço, que saiu apressado.

Faltava ecoar de novo na mente aquela frase: “Ah... só não vale se apaixonar por esse moço!”. Embora detestasse ouvir coisas do tipo “do this, don’t do that”, a moça resolveu seguir o conselho de uma colega.

Deixou as lembranças naquela esquina e foi pra casa. A moça estava, finalmente, decidida a esquecer o tal moço que não valia a pena. Resolveu ouvir música, mas cada canção tinha a melodia da voz dele. Perturbada pelas lembranças insistentes, a moça acabou adormecendo.

Teimando com sua razão, até voltou algumas vezes àquela esquina. “Talvez ele ainda passe por aqui”, pensava esperançosa. Mas aos poucos a esperança se aquietava, e a moça deixava os pensamentos lá, enquanto voltava para casa, frustrada.

Antes que atravessasse a rua, porém, a moça ouviu alguém chamando. A voz era aquela que fazia seu coração tremer, era o moço. Ela quase não acreditou, mas um abraço forte a trouxe de seus sonhos.

Foram até a lanchonete do outro lado da rua; conversaram. Novidades, histórias, risadas, e silêncio. O celular tocou, ele tinha que ir. Estava atrasado para o compromisso naquela tarde e, mesmo que não falasse, ela sabia com quem.

–“É... Eu posso te ligar mais tarde?”, o moço perguntou. “Claro que pode”, a moça respondeu. Despedem-se com olhares. Ela ainda permaneceu na lanchonete, refletindo sobre tudo. Ele saiu apressado e preferiu não pensar agora.

E a moça foi para casa, e ficou a esperar a ligação. E o moço não ligava. Não tinha coragem. Não sabia o que fazer nem o que dizer. Muito menos, sabia o que sentia. Na dúvida, ele optou por deixar tudo do mesmo jeito.

O tempo passava, e ela esperava cada dia menos. “É, realmente ele não valia a pena”, ela sorriu. Sim, sorriu. E sorriu para aquele quase amor que ficou no passado. Mas agora era o moço quem passava todos os dias por aquela esquina, esperando.

De tudo que falta

Da regra, a exceção
Do simples, o complexo
Da incerteza, a constância
Do contraste, o intenso
Da saudade, a distância
Do corpo, o desejo
Da ausência, a presença
Do sentido, o contrário

Do pouco, o tudo
Do tudo, o nada

My Wonderland

Era uma vez uma menina chamada Alice, que aos quatro (e, no filme do Tim Burton, aos 17) anos, foi parar num tal País das Maravilhas. Entre outros habitantes, lá tinha um gato, dois gêmeos, uns coelhos, duas rainhas e – o meu favorito – um Chapeleiro. Mas não é dela que vou falar, porque essa história você já conhece.

Vou falar da minha Wonderland. É bem menos habitada que a da menina de vestido azul: só tem eu e você, e nem precisa de mais ninguém mesmo. Nessa terra de encantos, apesar de dois, valemos por muitos. Rimos, nos divertimos, falamos as besteiras que dão vontade, gostamos da nossa companhia – assim como o Chapeleiro e seus amigos. É confortável e é bom e sabemos que poderia ser assim sempre.

O único problema dessa maravilha de lugar é que tem uma porta escondida, mas tão bem escondida, que só você sabe o caminho e, com essa mania de não dizer, não me mostra. Do lado de lá dessa passagem, de vez em quando, tem alguém querendo entrar pra te levar pra longe. E você, burro e seduzido pela sua curiosidade, some, vai e leva a chave da porta que nem sei onde é.

E o meu país de duas pessoas, antes tão maravilhoso, se resume a mim. E nem é mais nem tão confortável, nem tão bom, nem tão pra sempre. Fico na minha companhia, tentando me convencer de que a sua presença não foi real, apesar do muito de você que permanece em mim.

Então, quando eu quase consigo acordar desse sonho, você volta, pela passagem secreta. E eu esqueço o frio que passei longe dos seus braços, esqueço das tempestades que enfrentei. Tudo bem, não precisa me contar das descobertas nos outros países, não agora. Quero ficar só com o seu olhar de menino. Quero só dormir no seu abraço de homem e ter de novo a certeza de que, por mais que você vá atrás da sua curiosidade de conhecer as terras vizinhas, é só aqui, no meu país, o seu lar.

domingo, 9 de maio de 2010

Apagando promessas

E tudo aquilo que foi dito, combinado e acordado ficou parado no tempo, supenso no ar por um momento. Aquela quentura por dentro, que achei que tinha sido apagada, ressurgiu como fênix quando toquei seu corpo. Deu um choque, um abalo sísmico interno, quando vi sua tatuagem criar vida enquanto minhas mãos passavam por suas costas.

Ao te aconchegar nos braços como a um menino, senti por um segundo que tem coisas que não mudam – e que nem precisam mudar de verdade. Tive um relance daquela certeza que amedronta: sim, eu poderia passar o tempo que fosse desse jeito, só por ter você assim, perto. Mesmo que você não queira, mesmo que nem eu queira, embora eu não entenda como você pode não querer isso também.

Cheguei em casa com seu cheiro de cigarro, que passou pela minha roupa e impregnou na alma. Eu, que nunca suportei seu tabaco, agora fiquei viciada no aroma da sua pele e sinto arrepios em lugares que nem sabia que existiam. E senti uma coisa tão infinita que quase não coube em mim, e eu quase chorei. Tem hora que a gente sente tanto que nem cabe. Mas eu fui forte como poucas vezes na vida, e soquei isso tudo até caber de volta no peito e ficar tudo bem.

Agora, me diz: preciso voltar à promessa que fizemos pro nosso (?) bem? Preciso deixar de sentir essa imensidão de possibilidades quando você me olha desse jeito que me desmancha por dentro? Preciso mesmo acreditar que não vai dar certo, quando todo o mundo sabe que mais certo que nós não pode haver?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O que eu não te falei

Não sei se você percebeu, mas eu parei de te dizer certas coisas. E também guardei algumas coisas de você, como faço com meus sentimentos. Talvez seja uma recíproca involuntária à sua dificuldade em ser de verdade comigo, talvez não seja por nada mesmo.

Aí, vai ver que é por isso eu não te falei do meu desespero de ter dentro de mim mais do que lembranças de você; nem contei do alívio de saber que estava tudo bem. Também deixei pra lá as vezes em que quase te procurei quando precisei e voltei atrás, pelo simples fato de não sentir que posso contar com a sua ajuda.

Deixo guardada a leve pontada de ódio que tenho da sua falta de consideração, que não é capaz de um simples sinal de fumaça pra dizer que está vivo ou que hoje não dá pra conversar. Se bem que avisar nunca foi seu forte mesmo, a sua natureza grita pra você sumir.

Ainda assim, eu não quis que você soubesse como sou apaixonada pelos seus olhos pequenos, pela sua cara de desenho japonês quando sorri, pelo seu cabelo bagunçado, pelas suas mãos, pelo aconchego do seu abraço. Nem mesmo falei o quanto gosto de te fazer cafuné e te olhar quando você dorme no meio dos meus filmes de moça fresca. E nego até a morte se você ficar sabendo que, nessa história de não-envolvimento, a minha natureza - ou sei lá o quê - me leva a me envolver de novo.

Eu não te contei nada disso. Mas não precisa. Você sabe.