domingo, 28 de agosto de 2011

Penélope e o pouco



Tudo o que ela queria era demais. Intenso, caro, romântico, exagerado, verdadeiro. No entanto, fora criada em meio a restrições – financeiras, sobretudo – e passou a vida inteira observando seus desejos sendo esquartejados. Por vezes relembra as poucas vezes em que, quando criança, o pai a levava para um passeio no parque e permitia o luxo de um refrigerante. Ávida, a menina não titubeava: Coca-Cola! - Só tem Pepsi, pode ser? – respondia a atendente. - “Não, não pode”, Penélope pensava, antes de aceitar a única opção pela qual podiam pagar.

Assim, ela cresceu deixando de lado sua vontade em detrimento das possibilidades ou dos quereres alheios. Adolescente, queria usar batom vermelho como todas as suas amigas. “Isso não é coisa de moça direita”, repetia sua mãe.

Lucas, o rapaz por quem se apaixonara não lhe correspondeu, deixando o rápido romance de lado por uma oportunidade para morar em Londres. Então, Penélope se casou, ainda muito jovem, com Carlos, o amigo rico da faculdade de Medicina que a amou desde as primeiras as aulas de laboratório.

A profissão escolhida também não era a dos seus sonhos. Filha única, adotou o jaleco branco para dar alguma alegria aos pais – que não sabiam mais do que ler e escrever, mas queriam exibir pela vida restante o diploma de doutora para o qual tanto economizaram.

Apesar de tudo, Penélope nunca deixara de sonhar todas as noites com o amor de sua vida, que fora para o estrangeiro. Por vezes, ela se pegava na rua dele numa busca vã por um olhar que nunca voltou. Em sua casa nova, aproveitava o tempo livre para estudar decoração. Pediatra, ela ficava feliz pelo marido ter se tornado uma referência em neurologia e amar tanto seu trabalho. Não tiveram filhos e viviam harmonicamente.

Em um domingo de folga, dez anos depois, Penélope fora sozinha visitar os pais, já com idade adiantada, vários problemas de saúde, mas uma conta bancária bem mais estruturada. Ao chegar na casa recém-reformada, encontrou sua mãe inconsolável no chão da cozinha ao lado do corpo de seu pai, que acabara de ter ataque cardíaco fulminante. Não havia mais o que fazer. Sete meses depois, a mãe não suportou a solidão e partiu em busca de seu companheiro.

Durante os dias de luto, percebera como o tempo na Terra é breve. Viu que estava na hora de parar de tolher sua vida, antes que ela esvaísse por seus dedos. Divorciou-se de Carlos e voltou a morar na casa de seus pais. Lá fez um ateliê onde produzia as peças de decoração, como sempre desejara.

Abandonou o jaleco, matriculou-se em um curso para aprimorar as técnicas já conhecidas e deu asas à imaginação. Feliz com o sucesso de seu trabalho, mudou seu visual: cabelos com corte moderno e batom vermelho na boca.

Na primeira exposição que fizera, o destino tratou de enviar o sinal de que, finalmente, tudo ia ser do jeito que Penélope queria: Lucas voltara para o Brasil e tinha ouvido falar do sucesso da mais nova artista. Casaram-se e agora eram realmente felizes.

Em um passeio pelo parque, num feriado de sol, pararam na lanchonete. Penélope, lembrando seus desejos de infância, pediu uma Coca-Cola. Só tinha Pepsi.

- Pode ser? Pergunta o atendente.

- Não, não pode. Vou a algum lugar onde tenha o que quero. Obrigada.